top of page
Foto do escritorPortal Memorial News

Governo do Amazonas terceiriza geração de crédito de carbono e MPF pede a bancos fim de crédito rural na Amazônia

Por Juca Queiroz - Memorial News

Via Folhapress

Foto: Nova Escola/Arquivo

Manaus/AM - O governo do Amazonas terceirizou a cinco empresas a geração de créditos de carbono em 12,4 milhões de hectares de floresta. Essas áreas, que estão em reservas e parques cuja preservação é de responsabilidade do próprio estado, equivalem a metade do estado de São Paulo.


A escolha dos empreendimentos privados foi feita antes de qualquer consulta livre a comunidades tradicionais nesses territórios —iniciativas de consulta foram atribuídas às empresas, o que deve ocorrer após aprovação dos projetos, segundo o edital do governo amazonense. O documento não deixa claro se haverá repartição de benefícios e recursos entre as comunidades impactadas.


Segundo o governo do Amazonas, existem 483 comunidades, com 8.050 famílias, nas áreas concedidas a empresas especializadas em geração de créditos de carbono e na venda desses créditos no mercado voluntário, formado principalmente por companhias interessadas em compensar suas emissões de gases de efeito estufa.


As empresas selecionadas poderão ficar com 15% dos valores, a título de "custos indiretos administrativos".


O modelo adotado pelo Amazonas é diferente do existente, por exemplo, no Tocantins, que fez um acordo com uma empresa de energia para geração e fornecimento direto dos créditos; no Acre, que criou uma empresa pública de capital misto para a negociação de créditos; e no Pará, que prepara um contrato de promessa de compra e venda com uma coalizão público-privada.


O governo do Amazonas não respondeu aos questionamentos da reportagem.


Os estados alegam ter um estoque de créditos de carbono a partir da redução do desmatamento da amazônia. Assim, a retenção de CO2 poderia ser vendida a quem precisa compensar suas emissões.


Os créditos de carbono são gerados a partir de atividades que evitam desmatamento e degradação da floresta. Isso passa pela atuação de comunidades tradicionais, como ribeirinhos e extrativistas, que vivem do que a floresta em pé fornece.


Empresas que atuam no ramo vêm pressionando comunidades a aceitarem acordos para geração de créditos de carbono, com cláusulas consideradas abusivas.


O instrumento que permite o mecanismo de créditos de carbono é o REDD+, desenvolvido no âmbito da Convenção da ONU sobre Mudança do Clima. Um crédito equivale a uma tonelada de CO2 que deixa de ser emitida para a atmosfera em razão do desmatamento que foi evitado.


Agora, empresas especializadas estão sendo escolhidas pelo próprio governo do Amazonas, estado que detém a porção mais preservada da amazônia, para o desenvolvimento de projetos de geração de créditos relacionados a redução de desmatamento.


O estado ofertou as 42 unidades de conservação sob sua responsabilidade, num total de 19 milhões de hectares. Houve seleção e habilitação de empresas para metade das unidades, que incluem reservas de desenvolvimento sustentável, reservas extrativistas, parques e área de preservação ambiental. O governo diz que os créditos a serem gerados valem R$ 8 bilhões.


As empresas escolhidas foram Carbonext, BR Carbon, Future Carbon, Permian Brasil e Ecosecurities do Brasil.


"As propostas dos projetos deverão seguir um dos padrões internacionalmente reconhecidos, vigentes, e que permitam a captação de recursos via comercialização dos créditos de carbono", cita o edital. A confirmação das empresas selecionadas ocorreu em março e abril.


A Carbonext afirmou que essa é a primeira parceria pública para desenvolvimento de projeto em unidades de conservação. "O processo está na fase de celebração. O edital prevê consultas após essa fase. Só então serão assinadas as parcerias."


Já a BR Carbon disse que utiliza padrões internacionais e auditorias independentes para atuar no mercado voluntário de carbono, "em prol da conservação da unidade de conservação". "A responsabilidade pela gestão e conservação da unidade não deixa de ser do estado."


A Future Carbon, por sua vez, afirmou que o processo seletivo seguiu a Constituição, com transparência e concorrência. "Comparado aos projetos de geração de créditos privados e em outros países, 85% dos recursos arrecadados em investimentos sociais e climáticos coloca o projeto entre os maiores em repartição de benefícios com comunidades."


A Permian Brasil disse que cumpriu os requisitos do edital e que as áreas para as quais foi escolhida não têm comunidades tradicionais. "Caso haja populações impactadas no entorno das áreas, a empresa seguirá rigorosamente os protocolos de consulta livre."


A Ecosecurities não respondeu aos questionamentos da reportagem.


Os créditos gerados nas unidades de conservação devem ser aplicados nas próprias unidades, em zonas de amortecimento e ainda no fundo estadual de mudanças climáticas, conforme a proposta do governo do Amazonas.


"Após a aprovação da proposta do projeto pela comissão de seleção, o proponente deverá realizar consultas prévias, livres e informadas com os beneficiários do projeto, nos termos da Convenção 169 da OIT [Organização Internacional do Trabalho], antes da celebração de parceria junto à Sema [Secretaria de Estado de Meio Ambiente]", afirma o edital da secretaria.


Entre as áreas para as quais foram selecionadas empresas especializadas em créditos de carbono, estão as reservas de desenvolvimento sustentável Mamirauá e Amanã. Na primeira, existem cerca de 200 comunidades e 15 mil pessoas; na segunda, cerca de 10 mil pessoas, conforme o Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá.


O instituto, sediado em Tefé (AM) e voltado a atividades de pesquisa e manejo sustentável na Amazônia, atua nas duas reservas. É vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.


A empresa escolhida pelo governo do Amazonas para geração de créditos nas duas reservas foi a Ecosecurities do Brasil. O Instituto Mamirauá foi contatado pela empresa para atividades de consulta às comunidades. O entendimento no instituto, hoje, é que o projeto só vai adiante se houver transparência, consulta livre e clareza sobre repartição de benefícios às comunidades.


Conforme gestores do instituto, é preciso que as ações contemplem atividades já existentes, como monitoramento de biodiversidade e manejo florestal e na pesca.


Outra empresa selecionada, a Carbonext, cuidará de projetos em duas áreas de preservação ambiental, em região mais próxima de Manaus.


A empresa já abandonou uma parceria com indígenas da terra Kayapó, no Pará, depois de promessas de "milhões de reais" em projeto de crédito de carbono, e firmou contratos com associações de trabalhadores de reservas extrativistas no estado, em que cláusulas foram consideradas abusivas por órgão ambiental do governo federal. Contratos previram repasses de 50% à empresa.


A Carbonext também é parceira em projetos de uma empresa suspeita de grilagem, esquentamento de madeira e geração de créditos de carbono irregulares no valor de R$ 180 milhões. O suposto esquema é investigado pela PF (Polícia Federal) e foi alvo de operação policial nesta quarta (5). A Carbonext não foi alvo de mandados de busca ou prisão.


Segundo a Carbonext, protocolos de consulta são seguidos de forma transparente e respeitosa, termos de contrato são válidos e, no caso da investigação da PF, pode vir a figurar como vítima se as acusações forem comprovadas.


Ministério Público Federal recomenda a bancos cancelamento de crédito rural


O Ministério Público Federal (MPF) enviou recomendação em que pede o cancelamento do crédito rural em áreas de conservação na Amazônia. O documento foi enviado para o Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Banco da Amazônia, Banco De Lage Landen Brasil (DLL), Banco Sicredi, Bradesco, Itaú e Santander, solicitando que eles promovam a desclassificação e a liquidação antecipada das operações de crédito.


A medida vale para propriedades localizadas em terras indígenas, unidades de conservação e florestas públicas na Amazônia. As instituições financeiras têm 30 dias, após o recebimento, para informar sobre o acatamento das medidas.


A partir da denúncia do Greenpeace, o MPF solicitou que os bancos informassem sobre as técnicas utilizadas para garantir que as propriedades a serem beneficiadas atendiam aos critérios legais ambientais. De acordo com a Resolução do Conselho Monetário Nacional (CNM) nº 5.081/2023, não deve ser concedido crédito rural para empreendimentos para o qual exista embargo de órgão ambiental competente ou para os que estejam inseridos total ou parcialmente em unidades de conservação, em terras ocupadas por indígenas ou em florestas públicas.


Os bancos informaram que possuem ferramentas para verificar a conformidade das operações de crédito com as normas socioambientais, o que pode, segundo o MPF, ser utilizado para evitar a aplicação de recursos em empreendimentos localizados em áreas protegidas pela legislação. Algumas instituições financeiras, porém, informaram que não pretendem cancelar operações irregulares realizadas antes da vigência da Resolução CMN nº 5.081/2023, sob a alegação de que devem ser observadas as regras do Manual de Crédito Rural vigentes à época.


De acordo com o MPF, a justificativa não procede, pois “a Constituição Federal assegura o usufruto exclusivo dos povos indígenas sobre seus territórios, de modo que são considerados nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras indígenas por não indígenas”. A legislação federal protege, do mesmo modo, as unidades de conservação e as florestas públicas, e cabe ao poder público empregar os meios e esforços necessários para evitar e reprimir invasões nestas áreas.


Na recomendação, os procuradores da República destacam, ainda, que o desenvolvimento de atividades agropecuárias nestas áreas protegidas pode, conforme o caso, caracterizar crime de invasão de terras públicas ou o delito de causar dano em unidade de conservação; e que a responsabilidade civil por danos ambientais é objetiva e solidária entre todos os envolvidos, o que incluiria, nestes casos, os bancos.


“Não importa se a instituição financeira exigiu todas as licenças e autorizações necessárias para a atividade financiada ou se controlou o desenvolvimento dessa atividade; o simples fato de financiar uma atividade que cause dano ao meio ambiente já estabelece o dever de reparação”, afirmam os procuradores no documento.


O MPF especifica que as redes bancárias devem identificar as operações de crédito rural vigentes para aplicação de recursos em imóveis total ou parcialmente inseridos em:


terras indígenas que constem como homologadas, regularizadas ou definidas como Reserva Indígena no Sistema Indigenista de Informações da Fundação Nacional dos Povos Indígenas;


unidades de conservação registradas no Cadastro Nacional de Unidades de Conservação do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima; e


florestas públicas tipo B (não destinadas) registradas no Cadastro Nacional de Florestas Públicas do Serviço Florestal Brasileiro.


Após a identificação, deve ser feita a notificação dos beneficiários para ciência e apresentação de defesa e, então, a desclassificação e a liquidação antecipada das operações de crédito irregulares, ressalvadas as exceções previstas no Manual de Crédito Rural.


Os casos de sobreposição e as respectivas providências a serem tomadas devem ser informados ao MPF em 60 dias, no caso de terras indígenas, e em 180 dias, em casos de unidades de conservação ou florestas públicas.

Comentários


Anuncie Conosco

bottom of page